domingo, 16 de março de 2014

Janela aberta

Dei com este livro por casualidade. De facto, não era o destinatário inicial do primeiro exemplar que teve, senão que estava dirigido a outras pessoas, muito queridas para mim. O acaso fiz que o lesse antes que elas.
Devo confessar que conheçia José Alberte Corral de jeito indireto, pelas suas colaborações na revista Elipse, por um encontro telefônico há umas semanas e na apresentação desta obra em Vigo, o 14 de fevereiro. Assim mesmo, foi a Cruz e a Rosa às que o Corral encomendou organizar este ato pela sua amizade de há anos, e elas, pela sua vez, encomendaram-me estar junto ao autor na mesa nessa ocasião. Delas é o exemplar que li.
Há várias circunstâncias pelas que sinto empatia por Corral. Nasceu na Crunha, no bairro de Monte Alto, há muitos anos e criou-se nesse bairro. Junto com a aldeia, a criança de bairro marca fundamente, sei-o, ao me criar eu mesmo num outro bairro.
Capa de Janela aberta

Fundou com “um malhuco” a Agrupação Cultural “O Facho” e militou em organizações clandestinas contra o franquismo e contra as ditaduras sul-americanas patrocinadas pelos EE.UU. A vida levou-o pelo caminho da emigração (exilio nacional) e do exilio por mor da militância antifascista. Lá, publicou o seu primeiro poemário e ensaios de pensamento político. Rematou por aposentar em Caracas até a morte de Franco. Logo voltou à Terra.
Aqui, já tinha escrito outras coisas: panfletos, artigos em revistas clandestinas e poemas. Quando regressou publicou quatro poemário e dois livros de relatos. Janela aberta é o terceiro livro de relatos. Aguardo que haja outros mais.
Janela aberta é, como efeito, um livro de relatos que consegue deleitar. As suas 120 páginas leem-se com muito prazer. As duas horas que supõe, implica transformar uma tediosa tarde de domingo num momento de lezer.
Agora bem, não estamos diante de um produto de consumo e reciclagem, senão duma obra com conteúdo e mensagem. Trata-se dum livro que paga a pena, como diz Carlos Quiroga no prefácio.
Em nossa opinião não se tratam de historias inconexas, senão que cada uma delas, por separado, têm em comum três elementos que os unificam e achegam significado.

O primeiro deles é a relação temporal que achamos na maior parte dos contos. Neles, os sucessos passados som resgatados pela memória do presente. E do passado tem particular relevo a infância. Mas, compre engadir que a memória é frágil e o que lembramos claramente pode ser produto do nosso magim ou um recordo de ontem pode ser, realmente, um acontecimento de há dez anos. O resgate é, às vezes, pouco fiável, de jeito que lembramos com absoluta clareza feitos que nunca aconteceram.
Neste resgate protagonizado pela memória xorde o espaço do bairro como ponto de saída, e moitas vezes de chegada. Em ocasiões, o bairro é um ponto de reencontro casual entre dois amigos que marcharam a lugares do planeta afastados entre si. Ás vezes, o retorno é uma celebração pela morte do canalha que arruína a vida da tua família.
Janela aberta está cheio de trabalhadoras e trabalhadores comuns, mas únicas para os seus seres queridos. Não destacam sobre o coletivo, mesmo há quem, como um pintor famoso no mundo, procura esse anonimato no bairro na sua nenez.
O resultado da agregação destes relatos é a formação duma rede social, dum sujeito coletivo, dum nós plural e diverso, que emerge nos discurso narrativo. Acovilha também a denúncia da emigração como tragédia coletiva provocada por elites sociais.
Finalmente, devo sublinhar que Janela Aberta comove, consegue provocar sensações com as suas palavras. A raiva por uma injustiça, o prazer da vingança, a nostalgia do primeiro amor, a esperança por recuperar a felicidade perdida.
Um bom livro.

CORRAL, José Alberte. Janela aberta. 1ª ed. A Crunha. Através Editora. 122 pp. ISBN 978-84-87305-69-6.